quarta-feira, 20 de outubro de 2010

DE PONTA-CABEÇA

 

Como é legal ver o mar e a cidade de cabeça pra baixo! O horizonte, os prédios, os carros, as pessoas, tudo de cabeça pra baixo. Parece outro mundo. O sangue desce pra cabeça, inunda o cérebro e espanta a preguiça mental. É como uma enxurrada daquelas que a gente vê nas notícias, só que em nossa cabeça. A sensação é bem parecida com a de quando a gente passa de carro por cima de um quebra-mola. É o “arrasa-cuca”.

Foi tentando imitar um rapaz na praia que treinava capoeira que percebi como o mundo é diferente quando nós estamos com a cabeça pra baixo e as pernas pra cima. Ele, num movimento único e com muita leveza, lançava as mãos ao chão e se equilibrava com a ajuda da cintura e das pernas. Depois de se enraizar, ensaiava o primeiro golpe. Abria as duas pernas de forma perpendicular ao eixo de seu corpo, a esquerda golpeava o ar em frente à cabeça e a direita, pelas costas. Sem careta, com calma e ritmo. Tive a impressão de ver-lhe os olhos docemente cerrados.

O segundo golpe era um pouco diferente. De ponta-cabeça, num impulso com as mãos e com as duas pernas unidas, golpeava o ar, dava uma cambalhota e caía agachado, naquela posição de sentar no pinico. Inspirava profundamente e se levantava. Seriam golpes de uma luta ou passos de uma dança? Salve a capoeira! E era um homem só. Imaginei uma rodinha de vários mestres de escolas diferentes cantarolando em louvor a suas divindades, ao ritmo de berimbaus e tambores, numa ginga contagiante.

O céu se alegrava todo e se coloria de rosa, enquanto eu sentia aquela brisa maravilhosa e tentava plantar bananeira. O corpo rejuvenesce porque a gravidade atua em sentido contrário, a força nos empurra para o lugar certo. Melhor que fazer plástica.

Dizem que é bom observar as coisas por vários ângulos, de diferentes pontos de vista. Por isso ver o mundo de cabeça pra baixo é interessante. Tudo muda. Morcego se sente tão bem que dorme. As crianças adoram. Ficar de ponta-cabeça sem esforço é um dos motivos por que o parque é de diversão. Os pais não entendem. Não por acaso elas observam o mundo de forma tão peculiar.

O nosso corpo lembra uma bananeira quando estamos com a cabeça pra baixo e com as pernas pra cima, daí a origem da expressão. Dunga deveria ter plantado bananeira nos treinos preparatórios para a Copa do Mundo. Talvez veria o que não conseguiu de cabeça pra cima. Pensariam que ele estava doido, ao que responderia: “É apenas mais um método de observação”. Sou mais Quixote. Antes doido que arrogante.

Além de bananeira, deveríamos plantar batata, alface, tomate, maçã, laranja, arroz, feijão. E alegria, calma, paciência, fé, coragem, união, serenidade, paz, perdão, humildade, entrega. Plantar o bem. De ponta-cabeça, a preguiça, o medo, o orgulho, a vaidade, a obstinação, a gula, a avareza, a ira, tudo que é mal vai cair de maduro e se esbagaçar no chão. Mas não se preocupe: assim como as bananas, o que é firme, o que está enraizado não cai.