quarta-feira, 20 de outubro de 2010

DE PONTA-CABEÇA

 

Como é legal ver o mar e a cidade de cabeça pra baixo! O horizonte, os prédios, os carros, as pessoas, tudo de cabeça pra baixo. Parece outro mundo. O sangue desce pra cabeça, inunda o cérebro e espanta a preguiça mental. É como uma enxurrada daquelas que a gente vê nas notícias, só que em nossa cabeça. A sensação é bem parecida com a de quando a gente passa de carro por cima de um quebra-mola. É o “arrasa-cuca”.

Foi tentando imitar um rapaz na praia que treinava capoeira que percebi como o mundo é diferente quando nós estamos com a cabeça pra baixo e as pernas pra cima. Ele, num movimento único e com muita leveza, lançava as mãos ao chão e se equilibrava com a ajuda da cintura e das pernas. Depois de se enraizar, ensaiava o primeiro golpe. Abria as duas pernas de forma perpendicular ao eixo de seu corpo, a esquerda golpeava o ar em frente à cabeça e a direita, pelas costas. Sem careta, com calma e ritmo. Tive a impressão de ver-lhe os olhos docemente cerrados.

O segundo golpe era um pouco diferente. De ponta-cabeça, num impulso com as mãos e com as duas pernas unidas, golpeava o ar, dava uma cambalhota e caía agachado, naquela posição de sentar no pinico. Inspirava profundamente e se levantava. Seriam golpes de uma luta ou passos de uma dança? Salve a capoeira! E era um homem só. Imaginei uma rodinha de vários mestres de escolas diferentes cantarolando em louvor a suas divindades, ao ritmo de berimbaus e tambores, numa ginga contagiante.

O céu se alegrava todo e se coloria de rosa, enquanto eu sentia aquela brisa maravilhosa e tentava plantar bananeira. O corpo rejuvenesce porque a gravidade atua em sentido contrário, a força nos empurra para o lugar certo. Melhor que fazer plástica.

Dizem que é bom observar as coisas por vários ângulos, de diferentes pontos de vista. Por isso ver o mundo de cabeça pra baixo é interessante. Tudo muda. Morcego se sente tão bem que dorme. As crianças adoram. Ficar de ponta-cabeça sem esforço é um dos motivos por que o parque é de diversão. Os pais não entendem. Não por acaso elas observam o mundo de forma tão peculiar.

O nosso corpo lembra uma bananeira quando estamos com a cabeça pra baixo e com as pernas pra cima, daí a origem da expressão. Dunga deveria ter plantado bananeira nos treinos preparatórios para a Copa do Mundo. Talvez veria o que não conseguiu de cabeça pra cima. Pensariam que ele estava doido, ao que responderia: “É apenas mais um método de observação”. Sou mais Quixote. Antes doido que arrogante.

Além de bananeira, deveríamos plantar batata, alface, tomate, maçã, laranja, arroz, feijão. E alegria, calma, paciência, fé, coragem, união, serenidade, paz, perdão, humildade, entrega. Plantar o bem. De ponta-cabeça, a preguiça, o medo, o orgulho, a vaidade, a obstinação, a gula, a avareza, a ira, tudo que é mal vai cair de maduro e se esbagaçar no chão. Mas não se preocupe: assim como as bananas, o que é firme, o que está enraizado não cai.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Candidato a folião

Não voto, não voto e não voto em quem faz barulho pela cidade. Você também se irrita quando passam esses minitrios fazendo propaganda política? Só um monge pra não perder a paciência.

Esse tipo de coisa atrapalha tudo: o sono, a leitura, a televisão, tudo. Era uma vez concentração, não importa o que se está fazendo. Depois de anos ouvindo essa mesma ladainha, tomei uma decisão radical: NÃO VOTO EM QUEM FAZ BARULHO PELA CIDADE, seja quem for.

Agora é assim: quando escuto o barulho de um minitrio me alvoroço pra saber quem é o candidato responsável. Será que ele bota essa barulheira ambulante pra passar perto da casa da senhora mãe dele? Imagine a bronca. Ainda não ouvi os meus em atitude tão infantil, mas se ouvi-los mudarei o voto sem pestanejar.

Existem tantos meios sensatos e inteligentes de propaganda, mas fazer essa barulheira com minitrios é tacanho demais. Vocês, candidatos a político, abusem da criatividade (como Tiririca), mas sem fazer barulho, por favor. As cidades já padecem de tanto barulho, e vocês ainda vêm piorar a situação. Logo vocês!

Dizem que as atitudes revelam as pessoas. Então, a partir do momento em que um candidato bota trio elétrico pra fazer barulho na cidade, nós podemos ter uma ideia a respeito de sua consciência política. Um cara desse pensa que eleição é carnaval, quando trios elétricos saem pelas ruas pra animar o povo em festa. Imagine-o no plenário: no momento de uma discussão qualquer, no momento em que é preciso calma, paciência, reflexão, ele vai incorporar o espírito do trio elétrico e vai bradar e espernear feito hipopótamo protegendo território. Pra animar a festa, se fantasia no terno, vai ao trabalho que para ele é a “Legisfolia”, o carnaval fora de época do Poder Legislativo, e cai na gandaia. De um candidato desse eu espero qualquer coisa.

Aos meus ouvidos, os campeões da barulheira aqui em Aracaju são Albano Franco, Almeida Lima e Mendonça Prado. Velhos conhecidos né. Coloquei em ordem alfabética porque estou em dúvida quem é o grande campeão, quem é o macaco bugio. “Mendonça Prado é o vinte e cinco dez, Mendonça Prado é o vinte e cinco dez”, você também ouve todo dia essa melodia-chiclete? Eleger essa matraca velha é uma vergonha para o povo sergipano. Os reis do barulho não podem, não devem, nem merecem ser eleitos.

Enquanto escrevia estas maltraçadas, soube que esse tipo de propaganda é permitido até às oito horas da noite. Não por acaso esses três são velhos conhecidos, devem ter colaborado de alguma forma para a promulgação dessa lei. Por isso, caro (e)leitor, não vote em matracas velhas, não vote em quem faz barulho pela cidade, porque você não vai brincar nesse carnaval.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Cabeça de dinossauro

 

Renatão jogava futebol no campinho de areia do condomínio onde mora e, quando foi dar um bicudo na bola, porque ele é desses que só mandam tijoladas, chutou foi uma pedra. Felipinho, amigo de Renatão e fiel peladeiro, disse que chegou a ver o dedão girando bem rápido e voando. Os dois, depois de procurarem, encontrarem e recolocarem o dedão, foram retirar a pedra do cam(p)inho, um lugar mágico para eles.

O espanto foi que não se tratava de uma pedra, não daquelas que estavam acostumados a ver. Renatão pegou a coisa nas mãos, fitou-a detidamente e logo se alvoroçou. Felipinho se aproximou de Renatão, vidrou naquela coisa branca e fosca e concluiu:

- Um asteróide, Renatão, achamos um brinquedo vindo do espaço! Algum ET deixou ele cair do disco-voador...

Renatão hesitou por um instante. Era um artefato de diâmetro um pouco menor que uma bola de futebol. Pesava um pouco mais, porém, e era alongado numa das pontas, como um focinho. Já jogara inúmeras vezes naquele campinho e nunca vira nada parecido. Seria mesmo um asteróide, um meteorito? Seu pai sempre dizia que não estávamos sozinhos no universo. Ou seria algum brinquedo louco que algum amiguinho trouxera ao campinho para brincar de algo mais louco ainda?

Nisso, Felipinho plantava bananeira e observava Renatão. Como o mundo era diferente de cabeça para baixo! Aquela coisa vinda do espaço lhe inspirara sensações incríveis. Como que dominado por uma força irresistível, resolvera, num impulso, fazer aquela acrobacia. Renatão quando viu Felipinho de ponta-cabeça se lembrou do dia em que foi passear com seu pai em Salvador e viu alguns negões em roda a cantar e dançar, numa ginga contagiante. Bem no meio, no ritmo da música, um deles tinha as pernas para o ar. Muita força nos braços e na cintura. Ficou admirado como Felipão conseguiu imitá-lo. E falou:

- Você tá parecendo um negão que eu vi, e eu acho que não é um asteróide não, é a cabeça de um dinossauro.

As palavras fizeram com que Felipinho saísse do transe e voltasse ao normal.

- Dinossauro?! - retrucou Felipinho, meio desajeitado. Matutou por um instante: – É mesmo! Parece o crânio de um bicho daquele filme Jurassic Park. É a cabeça de um velociraptor.

- Renatão, vamos colocar as nossas mãos unidas em contato com a testa. Eu fico com a agilidade do velocirator, porque jogo na ponta. E você fica com a esperteza dele, porque joga no meio e precisar coordenar o time todo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Polícia cidadã

Que a criminalidade em Sergipe cresce a cada dia. Que os crimes violentos acontecem tanto na capital quanto nas cidades do interior. Que a população está mais amedrontada do que nunca. Beleza, todo mundo sabe. Mas a Polícia Militar daqui trabalha muito mal. No interior, ela é fantasia.

Você vê a polícia nas ruas de Aracaju? Eu não vejo. Quer dizer, só vejo polícia de passagem, fazendo barulho e com muita pressa, acredito que para chegar ao local de uma ocorrência qualquer. Não seria melhor já estar posicionada bem próximo delas, em pontos estratégicos da cidade? Penso que os policiais deveriam estar na rua, de prontidão para combater eventual assalto ou coisa do tipo. Se isso já acontece, ninguém vê.

A maioria dos postos policiais está desativada ou não funciona mesmo. Em Aracaju, a polícia só dá socorro por acaso, quando está passando pelo local. Reze bastante para não precisar dela porque provavelmente ela não vai chegar a tempo, isso se os telefonistas não pensarem que seu pedido de socorro é um trote.

Não quero aqui criticar o trabalho dos praças. Ao contrário, a crítica é para o pessoal mais de cima, da inteligência, do planejamento. O policiamento da Orla de Atalaia é bem curioso. Policiais vestidos de bermuda e camisa de malha e montados em bicicletas parecem turistas. E o policiamento realmente acontece por lá. Veja que coisa: funciona!, a gente vê polícia na orla. Quer dizer, os moradores de outros bairros podem ser assaltados, mas os turistas não. Quem paga o imposto paga o pato também.

Esse tipo de policiamento, adequado, inteligente, deveria ser estendido para outras áreas da capital, de maneira que Aracaju inteira fosse policiada dessa forma. Acredito que isso, ou parte disso, já foi feito em tempos passados mas, sabe-se lá por quê, acabou. Ideia: imagine que o respeitável Oficial responsável pelo policiamento dos bairros 13 de julho, Salgado Filho, Jardins, Grageru (cito esses porque os conheço bem) fosse traçar um plano infalível para diminuir, inibir, evitar a ocorrência de pequenos furtos e roubos nessa parte da cidade. Veja se não seria interessante posicionar dois policiais bem treinados ali no mirante da 13 de Julho, outros dois na subida da ponte da Coroa do Meio, outros dois na porta do Parque da Sementeira ou no cruzamento das avenidas Sílvio Teixeira e Pedro Paes Azevedo, outros dois no cruzamento das avenidas Hermes Fontes e Sílvio Teixeira e outros dois no pé do viaduto. Uma viatura com outros dois policiais bem treinados, estrategicamente posicionada e de prontidão, daria apoio. Pronto, com doze policiais e uma viatura o policiamento ficaria muito bom, mas muito mesmo, o que reduziria significativamente os índices daqueles tipos de crime. Se você fosse um ladrão querendo assaltar por essa região e tivesse certeza de que os policiais estão por perto, você levaria adiante seu plano? Ladrão não é tão besta assim. No interior, deveria existir a polícia alada: policiais montados em dragões voadores que cospem fogo nos ladrões, hahaha, pra completar a fantasia.

Mas não adianta colocar na rua qualquer policial. Tem que ser um bem treinado, que tenha bom senso e saiba técnicas de combate a assalto, de primeiros socorros e outras afins. Precisa estudar muito, frequentar vários cursos e ganhar bem, claro. Tudo bem óbvio. Um policial desse naipe também ajudaria a população em acidentes e infortúnios de toda ordem. Uma espécie de polícia do bem-estar, da cidadania. O que não pode continuar é esse treinamento de policiais para executarem com desenvoltura e agilidade movimentos de obediência à hierarquia: Pelotão!, Sentido!

Não que acabaria o desejo, a vontade de cometer crimes. Pelo menos, quem tivesse tais intenções pensaria duas vezes. Ladrão parar para refletir é bastante curioso, não é?

Eurico Bartolomeu Ribeiro Neto, maio/junho de 2010.

sábado, 3 de julho de 2010

Xiri xixiri Xixiristian Barba Marrom em: as origens

 

No momento em que Hannaganesh, o deus da Magia, acabava de forjar Hammerfall, o martelo mágico, meditava há vinte e um dias no cume das Montanhas Rochosas um jovem anão. Em jejum absoluto, sentia que era o momento de louvar os deuses. Sua intuição lhe dizia que estava chegando o momento mais difícil de sua vida e da história de seu povo.

Muitos anos antes, por volta de 500 a.c., Gloin, um sábio ancião, figura mística que orientava o povo do vale das Rochosas, andava preocupado. Suas visões alertavam para um tempo difícil, de muitas desgraças e miséria. Foi quando recebeu um chamado de Hannaganesh, que profetizou:

- Gloin, my son, keeper of the Magic, presta muita atenção nas minhas palavras: tu terás um filho com Halabova, a gorila-mor.

Gloin ficou pasmo, não compreendia como diabos teria um filho com uma gorila, mas, devoto de Hannaganesh, confiou. Por esse tempo, havia relatos de que os Gagaribarás, o povo da Floresta, rondavam Burkina Faso, a cidade mística do vale das Rochosas. Estavam à espreita das regiões pacíficas e de solo fértil habitadas pelo povo de Gloin.

Ablacololô Lolô, morador antigo do vale das Rochosas, respeitado contador de histórias, vaticinava:

- Azedume desses Gagaribará! se pá vai querer conversa com nóis, iiihhhhhhhh, povo doido.

Gloin não conseguia pensar em outra coisa senão na profecia de seu devoto e resolveu se recolher à Floresta, para meditar. Sentou-se à beira do rio e, no auge da meditação, quando estava longe, muito longe, sentiu a energia de Hannaganesh. Nisso, do alto de uma árvore gigante descia Halabova, a gorila-mor, que lhe proferiu as seguintes palavras:

- Glo.ó.in.in, blhgublhgublhgublhgu blhééé, blhgublhgublhgublhgu blhóóó, me chupa toda, grande mestre da Magia!

E brincaram, brincaram muito, sob a coordenação de Hannaganesh.

Gloin acordou de sua meditação bastante dolorido, mas não se lembrava de nada. Sentia-se disposto e calmo, sua mente já conseguia viajar em outras coisas que não a profecia. Resolveu então se banhar no rio e voltar para os seus.

Todos sentiram sua ausência e o saudaram com bastante alegria: o guia estava de volta. Ablacololô Lolô recebeu dele a seguinte resposta quando perguntou o motivo do recolhimento:

- Ablacololô, meu grande amigo, o Forrest Gump de Burkina Faso, o sem precedentes vai rolar!

Nove meses depois, numa noite sem lua, Halabova, a gorila-mor, adentrou os portões de Burkina Faso furtivamente e deixou um bebê numa cestinha nos aposentos de Gloin, que sonhava com uma cegonha.

Nascia assim xiri Xixiri Xixiristian Barba Marrom, o anão-mago-paladino.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

FUTEBOL É ARTE

 

Os deuses do futebol estão hospedados na África do Sul. Voltam os olhos para o continente que neste mês de Copa do Mundo será o mais rico e, apesar da pobreza do povo africano, não conseguem deixar de contemplar os craques de bola. Não estão, porém, totalmente satisfeitos porque um de seus prediletos, uma de suas criações mais sublimes, um mágico de primeira linha, nascido e criado em terras brasileiras, não vai participar. Inclusive as crianças sentiram sua falta. Imagine a Copa sem Pelé, Garrincha, Eusébio, Rivelino, Beckenbauer, Croyff, Zico, Maradona, Matthäus, Romário, Zidane, Fenômeno. Esqueci algum? Pois, esqueceram o Gaúcho.

Oxalá que o futebol arte, jogado pra frente, que priorize a técnica, a magia, vença a competição. Quem não se lembra do Brasil de Pelé e Garrincha, campeão de 58 e 62? E da Holanda de Croyff e Neeskens, o “Carrossel Holandês”, que perdeu as finais de 74 e 78, mas encantou o mundo e marcou a história do futebol com um novo estilo de jogar bola? E do Brasil de Pelé, Tostão, Rivelino, Jarzinho e Gerson, todos camisa 10 em seus clubes, que formaram uma seleção lendária, venceram ao sol de meio-dia a Copa de 70, no México, e levaram a Jules Rimet? E do Brasil de Zico, Sócrates e Falcão, que perdeu pra Itália em 82, mas é lembrada como umas das melhores seleções de todos os tempos?

E da Argentina de 86, que com a mágica de Maradona venceu a segunda copa do México e perdeu a final em 90, na Itália? E da França de Zidane, campeã em 98 e finalista em 2006? E do Brasil do Fenômeno, Rivaldo e do próprio Gaúcho? Quem viu se lembra. A Itália e Alemanha jogam feio por falta de opção, é o que lhes resta. O Brasil tem que colocar os mágicos em campo, os deuses nos deram vários. Mesmo que não vença. Não cite a seleção de 2006 porque aquilo foi festa. Faltou seriedade, disciplina, concentração, por isso não serve de exemplo pra nada, quer dizer, serve de mau exemplo, muito embora o quadrado fosse realmente mágico.

Quem hoje não se encanta com o Santos de Robinho, Ganso e Neymar? Ou o Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta, que é a base da seleção da Espanha? Existe explicação para o Ganso não ter sido convocado entre os 23?

O mundo quer ver Messi, Kaká e Cristiano Ronaldo brilharem. Quer vibrar com os gols de Milito, Rooney, Robben, Eto'o, Robinho, Luís Fabiano, Drogba, Villa e Torres. Os negões estavam doidos pra ver o Gaúcho, teve um até que, num treino da seleção brasileira aberto ao público, estampou numa faixa, com letras garrafais: "WHERE´S RONALDINHO?!?!". Importante é a arte, a alegria, a magia. Ganhar é bônus, perder faz parte do jogo.

Mesmo assim, torço para que os deuses da bola não fiquem abatidos diante da ausência do Gaúcho e do Ganso. Torço para que, como em 94, eles abençoem nossa seleção, mesmo que ela não esbanje magia.

Junho de 2010.

terça-feira, 8 de junho de 2010

A cidade em duas rodas

 

As veias da cidade estão entupidas, foram congestionadas pelos carros. Em horário de pico mal se avança nos engarrafamentos. Na mesma avenida, em poucos metros, três, quatro semáforos se amontoam. Caminhões, ônibus, carros, motocicletas e bicicletas por todos os lados. Buzinas e motores. Caretas e xingamentos. Haja paciência. Curioso é que nós somos o cérebro disso, estamos no comando. De vez em quando vejo alguém cavalgando pelo meio das vias e penso: excelente ideia.

Não estou falando de grandes metrópoles, nunca vivi em uma. Eu as conheço pelo noticiário e pelas passagens rápidas de viajante. A cena que aqui se monta não é num grande centro urbano não. É em Aracaju mesmo, nossa capital, outrora pacata e calma.

Falei horários de pico. A impressão que tenho é que eles estão cada vez mais longos, se estendem cada vez mais. Moro numa avenida movimentada da cidade, que serve de ligação entre dois pontos importantes, e meu bom dia quase sempre é fom-fom! ou iééé!, não sou adepto do ar-condicionado. Ser acordado por máquinas berrantes é mal demais, sorte que durmo cedo. Quando criança, sonhava com caminhões desgovernados que buzinavam e atropelavam as pessoas e invadiam as casas e destruíam tudo. Eu não entendia nada, ficava com medo. Hoje vejo que Freud explica.

Mas sou otimista, acredito que podemos descongestionar essas v(e)ias. O transporte público é uma possibilidade. Poucos veículos transportando muita gente parece interessante. Mas os ônibus estão sucateados, a passagem é relativamente cara, sentar é pra idoso, tudo sujo e se acabando, os ladrões tomam de conta, é complicado. Edi, a queridíssima e digníssima empregada lá de casa, me relata todo dia suas agruras pelo trânsito. É de arrepiar. Imaginem os deficientes como se sentem.

Metrô não sei se é viável. Acho moto perigoso, veloz demais. Penso que deveríamos andar mais a pé, nossa cidade é pequena e quase sempre plana. Minha avó lá em Pedreiras, no interior do Maranhão, ia à feira, que nem ficava tão perto assim, toda dia cedinho comprar os alimentos. Ela, já senhora, repetia seu caminho de sempre. Isso faz um bem danado, espanta a preguiça, energiza o corpo. Hoje em dia nós nem nos damos conta de que pode ser mais rápido comprar o pão ou o jornal a pé mesmo. Ir de carro nem sempre é mais rápido, porque às vezes tem que fazer longe o retorno e ainda encontrar estacionamento.

A melhor solução que vejo não é fazer rodízio de placa, nem aumentar o imposto sobre veículos automotores. É adotar a bicicleta como meio de transporte. Bote o olho na janela de manhã cedinho e veja a quantidade de ciclistas indo trabalhar. Combina sim, é só tomar uma ducha depois, sempre tem um chuveiro por perto. Vejo que muita gente aqui na cidade anda de bicicleta, mas não pra trabalhar ou resolver as coisas. Há passeios ciclísticos pela cidade, um monte de bicicleta em direção à praia depois das 20h. Claro que isso é bom, mas não é aonde quero chegar.

Quero conclamar o povo daqui a usar a bicicleta como meio de transporte. Sei que muita gente já faz isso, inclusive este que vos escreve, mas ainda é pouco. De bicicleta, vamos trabalhar e estudar, comprar o pão e as coisas no shopping, levar os filhos na escola, resolver problemas no centro. De mochila nas costas e sorriso no rosto, levo vinte e cinco minutos para chegar ao trabalho de bike, isso devagar. Pedalando rápido, tiro em vinte. De carro, com trânsito, são os mesmos vinte e cinco minutos. Sem, quinze. Acreditem, bicicleta tem seus atalhos. E não sou triatleta nem minha bicicleta é uma supermáquina, mas eu cuido dela direitinho. Me sinto tão bem no trabalho depois dessa pedalada matinal, é outra vibração, uma bênção.

Tudo bem que não dá pra ir a um jantar romântico pedalando, mas pra um churrascão com a galera ou pra casa de um amigo dá. É bom que a consciência pesa na hora de beber. Ou então volte pra casa pedalando bêbado mesmo. Deve ser um barato, nunca fiz. Vamos deixar o carro pra segundo plano. Vamos de carro quando for o único jeito (e não se esqueçam de dar carona). Vamos fazer da bicicleta a regra. Se todo mundo revezar entre carro e bicicleta, as v(e)ias descongestionarão. Sei que para alguns lugares só dá pra ir de carro, quando temos que chegar rápido num lugar distante por exemplo. Ou então quando o uniforme de trabalho é, digamos assim, composto demais. Eu não consigo entender porque o pessoal do Direito insiste em se empacotar no terno e na gravata. Nessa cidade quente, o traje deveria ser mais adequado. Acho tão bonito quando um índio comparece vestido de índio nas sessões legislativas.

Tá certo que é relativamente perigoso sair pelo meio do tráfego de bicicleta. Mas usar capacete, andar devagar pela direita e respeitar as leis de trânsito são cuidados que diminuem bastante os riscos de acidente. Não ande de bicicleta pela contramão nem passe no sinal vermelho. A bicicleta é um veículo como outro qualquer, imagine que estivesse dirigindo seu carro.

Os benefícios da bicicleta são inúmeros. É mais barato, a energia vem do próprio corpo. Olhe que engraçado: o que você come vira a gasolina que o leva aos lugares. A manutenção e as peças são baratas. Ocupa menos espaço, é rapidão que se estaciona uma bicicleta e cabe um monte num pequeno espaço. Não faz barulho, o que diminui a poluição sonora e o estresse coletivo, inclusive o seu. Não emite gases nocivos ao nosso pulmão e à camada de ozônio, quer dizer, preserva o nosso corpo e o meio ambiente. Muitas vezes é mais rápido que ir de carro, já falei que bicicleta tem seus atalhos. Quer mais motivo? Tome um copo de água ou coma qualquer fruta imaginando que é uma pílula de coragem, respire fundo e saia pedalando por aí.

E não tenha medo de assalto. Bicicleta é ágil demais, não fica presa em engarrafamento. Montado nela, você tem visão panorâmica. Se alguém suspeito for se aproximando, é só dar o pinote. A coisa mais difícil é ser abordado, é só não dar bobeira.

Adotar a bicicleta como meio de transporte só traz benefícios. Até concordo que é um pouco perigoso, mas com o tempo o governo e os próprios motoristas respeitarão mais. Contribua para que nossa cidade não infarte de vez. Seu corpo, seu bolso e o meio ambiente agradecem.

Eurico Bartolomeu Ribeiro Neto, abril/maio de 2010.

sábado, 5 de junho de 2010

Crônica sobre a queda

Quedar-se é muito interessante. De repente, o chão. O sujeito vem caminhando tranquilamente e de repente o chão. Uma queda.

Aconteceu comigo hoje, no caminho para a sala de aula. Estava meio escuro, e eu não vi uma poça enlimoada. O desnivelamento do horizonte desorienta tudo: tabuf!, no olho, uma queda! Depois de mais ou menos me orientar, quero dizer, me levantar, respirar um pouco, olhar em volta, comecei a sorrir. É curiosa a ironia da queda, fiquei pensando comigo mesmo “peguei uma queda, tome, se oriente”. Desorienta para orientar.

Vou tentar descrever o movimento do meu corpo, um filme da queda. Caminhando ereto, depois o pé esquerdo em falso, que desliza a noroeste, e forma-se uma base de surfe, depois a mão direita no chão, para evitar o tombo completo. Isso bem rápido. Nem foi tão feia assim, graças ao Poderoso. Mas me fez refletir bastante, hahaha, uma bela queda. Sem contar o pé e a mão pretos.

O Houaiss me diz que quedar é “demorar-se em algum lugar”. Ou então “permanecer”. Entendi, mas a minha foi bem rápida – na verdade acredito que todas as quedas são rápidas, não consigo vislumbrar uma queda devagar. Com certeza quem inventou essa palavra o fez depois de uma queda. Depois de quedar-se. Então, nunca se esqueçam: quedar-se vem de queda, de cair, de ir ao chão rapidamente (me desculpem os etimologistas). Eu sou prova disso.

E não é só eu que caio não viu. Impérios caíram e vão continuar caindo. A chuva cai. A maçã quedou-se na cabeça de Newton. Pensando bem, foi como se a teoria da gravidade caísse sobre o juízo do homem, já prontinha. Cuidado você para não cair por aí também.

Modéstia à parte, acho que fui bastante ágil na queda. Me equilibrei muito bem para quem estava quase surfando em limo. Penso que isso se deu por conta das minhas práticas quase diárias de YOGA, que me trouxeram, além de agilidade, força, elasticidade e equilíbrio. Aprendi também que a respiração é o que nós temos de mais importante. Respirar e se comportar como observador dos próprios pensamentos é meditar. Meditar é compreender que a mente é algo estranho à nossa essência, que é algo divino. E o bom disso é a paz de espírito.

Recapitulando: aula, queda, crônica. Viver realmente não é preciso.

13 e 14 de abril de 2010.