sexta-feira, 18 de novembro de 2011

ERRÂNCIA

Manchete: "Homem magro, de cabeça quadrada e bigode mexicano é o maratonista da Coroa do Meio”.

Os moradores do bairro se mostraram surpresos com o nível de irritação dele, que não parou de correr nem para dar entrevista. Amigos atribuem o estado de espírito do homem a um mero “babinha”.

“Ele discutiu com Roland Garros e saiu em disparada” - informa Goicotchéa Macedo.

“Ele deu dois gols, e eu disse que ele tava se mijando. Daí saiu assim, desse jeito”, explica Roland Garros.

Goicotchéa Macedo ainda acrescentou: “Liguei pra ele no outro dia e perguntei se tinha chegado bem em casa. E ele me respondeu, irado, com sotaque latino-americano e mastigando o bigode: “BARRIADO!”

O maratonista promete mais: “Sou capaz de correr até Maceió. Só vou apostado. Basta ficar “barriado”, que desatino e me meto a correr. Só vou apostado.”

Goicotchéa Macedo, questionado se o amigo realmente consegue, respondeu: “Talvez ele consiga. Uma vez correu de São Cristóvão para Aracaju, 25km ao todo, subindo e descendo ladeira. Só conseguiu se levantar da cama no terceiro dia, à base de relaxante muscular. Mesmo assim, se contorcia todo para subir um batente de dez centímetros. Eu acredito nele”.

Tudo indica que a população coroadomeioana também.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Cobais da SMTT (III)

Meyer, o alemão, entomologista, caçador de “barboletas” e “anicetos”, me ligou. Está espantado com o abandono do Trânsito: “não entendo como Arracaju chegou a esse situação”.

“O governo deve contrratar uma empresa de engenharia de trrânsito para remodelar o trráfego em Arracaju, uma cidade bonito, antes calmo e aconchegante. Na minha querrida Saxônia, ônibus e metrrô são nota dez, porque o governo cuida da trransporte pública com zelo e serriedade. Estimula, junto com as emprresas prrivadas, a bicicleta como meio de trransporte. Instalam ciclovias, bicicletários e vestiários. Carro, que é grrande, caro e poluidor, é o última opção”.

Meu olho ficou pendurado.

“Aqui em Arracaju, vejo que a lucrro dos empresas de ônibus é altíssimo, mas a serviço que fornecem é muito ruim. O atual legenda política, no poder de Arracaju há seis anos, e de Sergipe há quatro, está conivente. Não vejo disposição em melhorar de verdade o serviço de Trrânsito e Trransporte, fundamentais para o dinâmica de qualquer cidade. Pela andar do carruagem, isto é, pelo fumaça que sai das escapamentos e pela quantidade de pneus de carros, é uma questão de tempo Arracaju se igualar às metrópoles do Brrasil, digo, guardados as proporções, aprresentar as mesmas prroblemas no mesmo intensidade”.

É, Meyer, eu to pensando seriamente em sair de casa pela janela, voando.

cuidado_transito_01

“Passo todos as dias pela avenida Tancrredo Neves e não vejo uma policial, nenhuma tipo de fiscalização. Uma via dessa calibrre, continuação da BR-235, por onde passam caminhões, ônibus, carros, motos, bicicletas e pessoas, deve ser monitorrada em todo sua extensão. Tem gente morrendo de moto nela toda semana”.

De cabeça pra baixo, eu era só ouvidos.

“E agorra, sem radar e lombada eletrrônica, as motorristas que se julgam pilotos descarregam o adrrenalina do automobilismo. Você soube de uma acidente em que a velocímetrro do BMW trravou em cento e oitenta quilômetrros por horra, ali perto do shopping Jardins?! Mein Gott!!!”.

This is the what´s the what a fucking wiplash, Meyer.

“A engenharria da S-M-T-T acha por bem enfiar semáforro em tudo que é crruzamento. Parrece que não sabem da existência de outros soluções. Não captaram o função exata das rótulas, que são passagens negociadas. Aquela do terminal de Atalaia é exemplar. Imagino que na maior parte do dia a semáforro pode ficar desligado, de modo que apenas a passagem negociada bem sinalizada funcionasse. Semáforro junto com rótula me parrece um monstro”.

(…) (...).

“Meu boca fica aberta com a ausência de sinalização em algumas crruzamentos, por exemplo ali na esquina do colégio Patrrocínio São José, no encontrro entrre as ruas Santa Luzia e Duque de Caxias, um perrigo! A jugular Tancrredo Neves é muito mal organizada, recentemente enfiaram uma semáforro na esquina do SEBRAE. O objetivo foi facilitar a vida do pedestrre, mas foi tão mal feito, que eles nem se aventurram em atrravessar por ali, e as motorristas naturalmente não respeitam. Na minha querrida Saxônia, isso se resolve com passarrela”.

É, Meyer, a coisa aqui tá preta.

“E não vejo avanços, carro Bartô. O coordenador de Trânsito de Arracaju é um oficial da Polícia Militar. É como colocar uma eletrricista para constrruir pontes, ou uma técnico de futebol parra elaborrar projetos de arquiteturra. É o mesmo que o Procurador Geral do Estado ser uma especialista em marketing”.

E eu me despedi de Meyer, a pensar na maneira mais adequada de sair pela janela, voando.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

BRINCANDO COM O LIXO

Por Daniel Neiva

 

“Papai, não pode jogar lixo no chão. A professora disse que a gente tem que jogar o lixo no lixo.” “Tem razão, meu filho.” - Diz o pai encabulado com a lição do garoto, antes de recolher o papel que jogara na areia da praia. A cena é mesmo daquelas que alimentam a esperança nas futuras gerações.

Mas lá vem o curioso garotinho com suas perguntas: “Pra onde vai o lixo, papai? O que fazem com ele?”. Nó na garganta do papai, que vai ter de explicar a dura realidade dos lixões. Isso se o garoto for um sortudo, e tiver um preceptor consciente, que não lhe responderá apenas “Eles pegam e levam embora...”

A campanha da cidade limpa é mesmo interessante! Todo o lixo que produzimos deve ser jogado na lata do lixo. Fim! De lá aquele lixo deve seguir a vida dele, ou então, vai desaparecer magicamente, de preferência num momento em que não estejamos passando por perto, afinal o caro leitor não gosta de sentir aquele cheiro desagradável dos “mágicos” em seus caminhões de lixo.

O que se vê no tratamento dos resíduos sólidos em nossa cidade lembra em muito aqueles desenhos animados em que o personagem varre o lixo e, com toda esperteza, empurra pra debaixo do tapete. Pronto! Problema resolvido.

Interessante como fomos educados apenas para tirar o lixo da nossa frente. Se está no chão, vai pro lixeiro mais próximo. Se ele já ficou cheio, juntamos tudo e colocamos na porta de casa. Acumulou na porta, reclamamos o recolhimento pela prefeitura. Mas e depois? “Ah, depois eu não vejo mais. Vai ver que sumiu.”

Para o pobre Papai, entender esse comportamento é muito mais fácil que explicar ao garoto porque ainda continuamos lidando com o lixo da mesma forma que os homens das cavernas, ou ainda pior. Sim, porque, antes da dita evolução dos selvagens, os restos de comida já eram empilhados e às vezes enterrados em um local específico para esse fim (soa familiar...). Ah, mas não antes que fossem separadas as sacolas plásticas e as embalagens de leite longa vida...

Papai consciente quer dar uma aula de consciência ambiental ao garoto. Para isso deverá bradar sua fúria contra a sociedade do consumo, que produz lixo muito mais rápido do que a natureza consegue digerir. Só que vai ficar difícil manter a coerência quando o moleque vir que, a cada ida ao supermercado, Papai traz uma infinidade de sacolas plásticas contendo garrafas pet e embalagens de congelados, além dos lanchinhos empacotados que vão alimentar ele e o irmãozinho, que ainda usa fraldas descartáveis...

Se Papai for um cara “antenado”, preocupado com a reciclagem, ele deve estar fazendo uma coleta seletiva em casa, ainda que ignorando a necessidade de reduzir e reutilizar a quantidade imensa de lixo que produz. Engajado, ele separa seus resíduos sólidos pra que eles possam ser novamente misturados e reunidos logo ali, no caminhão de lixo, junto com todo o resto.

Ainda que essas incoerências sejam explicadas ao garoto astuto, dificilmente o menino vai descobrir a quem interessa manter uma política pública que simplesmente ignora tudo isso. Difícil entender a permissividade do Estado, que fecha os olhos para que famílias vivam no meio dos lixões, ao invés de fomentar uma simples usina de resíduos em que essas mesmas famílias possam garantir sustento de uma forma digna, gerando muito mais renda do que a obtida na perigosa clandestinidade das pilhas de lixo, agora bem mais modernas que na pré-história.

O importante é que na escolinha as crianças já aprenderam: lugar de lixo é no lixo. Assim fazemos uma cidade limpa, educada e melhor pra todos, certo? Enquanto isso, fingimos discutir os rumos para uma distante política pública de resíduos sólidos na nossa cidade, o que, aos olhos do garotinho, bem parece uma brincadeira. Sem graça, é verdade, mas ele ainda não entende o tal mau gosto. Se bem que talvez ele acabe por compreender os planos para o futuro de sua geração – afinal, brincar é com ele mesmo.

Papai, encurralado, já sabe o que fazer. Desconversa e se esquiva das perguntas tão difíceis, distraindo o filhão com um bate bola na praia, que já anda poluída pelos dejetos também esquecidos pelo poder público. Mas isso já é uma outra brincadeira...

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Popó “El Sinistron”

Me llamo Popó “el sinistron”

Popó... porque me llamo Popó

            “El sinistron”... porque soy sinistron!

Sentia um misto de prazer e orgulho quando se apresentava assim. Dizia as palavras de forma expressiva, pausada, com eloquência. Batia de leve a mão esquerda no peito e levantava o queixo diante da primeira parte, afirmativa. Para dizer a segunda e a terceira, explicativas, tirava a mão do peito, apontava o dedo indicador para cima e fitava seu interlocutor, olho no olho. Enquanto dizia “soy sinistron”, arregalava os dois olhos, e o olhar se perdia, assim como o juízo. E dizia o último “tron” de maneira rasgada e alongada. Um momento de Glória.

Tinha malícia de malandro e brilho no olhar. Cativou assim confiança e amizade de Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló. Os dois se conheceram na escola, Popó “El Sinistron” e Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló cresceram, saíam por aí e pera ali, e chegaram naquela psicodelia peculiar da adolescência. Fa-á-bi-o conta com alegria e nostalgia o dia em que Popó pegou aquele jarro-pênis da Laranja Mecânica e botou na cabeça feito coroa. Queria ser o rei do crime, mas era o rei das graças.

Na escola, depois de conhecer Macunaíma, Popó transformou brother Marcos em celphone e ring, ring, ring pra Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló, que, quando chegou, viu brother Marcos com partes arrancadas e jogadas na parede. “El Sinistron” não gostou da pane telefônica e foi acometido de súbito pela destruição. Arquejante, Brother Marcos se destransformou, braço quebrado, perna torta, bateria capenga, nariz sangrando, visor estourado, olho roxo, todo esbagaçado. “Agora vou mimi com o adorável Ludwig Van”, suspirou Popó.

No dia do Santo, Dai-me, Popó “El Sinistron” ralou o olho. Chamou Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló para brincar com as meninas do Acre, mas elas não entenderam quando Popó disse que queria delirá-las e curá-las. Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló ainda tentou precatá-lo: “Esse chá mais essas nega, óia, se saia”. Elas viajaram e não chamaram Popó, que magoou e tomou o chá alone in the dark. “E nos delírios meus grilhos temer”. Zé deu o recado, e Popó foi parar na terra do Ralo, veio um ralador gigante e lhe ralou O Olho. Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló só observava.

Uns dois minutos depois da ralada, Popó estava estatelado de peito pra cima, e Blhelelé Blheleló, banzeiro, tentava compreender. Popó, na viagem onírica, conferenciava com Macunaíma.

- Sou um herói sem nenhum caráter.

- E eu me llamo Popó “El Sinistron”

         Popó... porque me jamo popó,

                        “El Sinistron”.... porque soy sinistron!

- Você é feio, subaco e sem estilo, Popó, mas me siga.

Popó “El Sinistron” viajou de ave(ão) com Macunaíma e foi parar na foz do Rio São Francisco. Lá de cima compreendeu pela primeira vez. Ficou impressionado com as imensidões se encontrando.

- The big sun is in the eye... - disse o ave(ão).

- É... e, prazer, me llamo Popó “El Sinistron”

                                   Popó... porque me jamo Popó,

                                                        “El Sinistron”... porque soy sinistron.

Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló via Popó “El Sinistron” deitado no Acre, se debatendo e grunhindo baixinho. O juízo dele está atormentado. Popó, Popó, acorda, as nega já foram. E tentou trazê-lo de volta, saudando-o com o canto tribal de sempre, que foi criado, recriado e burilado durante anos de amizade fiel:

- Popó-ó-ó Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelgh Blhelg llo baba Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelg Blhelg Blhelelóóó!!!

A tentativa não deu certo, Popó não escutava Fa-á-bi-o e pulou de cabeça dentro do Atlântico, na maior natação. Várias piruetas extraordinárias, nem se ligou no perigo. Tava de caranguejo conversando com um tubarão. Crepusculava, e Macunaíma se preocupou. Então se fantasiou de jiboia voadora e foi buscá-lo no fundo do mar.

- Me llamo Popó “El Sinistron”

Popó... porque me jamo Popó,

            “El Sinistron”... porque soy sinistron!

Subitamente JiboÍma se enrolou todo em Popó e alçou voo pro céu, onde o ave(ão) os resgatou e deu pagação:

- Porra, porra, porra, Sinistrão!

Macunaíma agora se vestiu de magistrado e aplicou-lhe a punição:

- Vai pra Rondônia visitar Beira-Mar, vou te transformar em anjinho e você vai pregar.

Popó “El Sinistron”, de auréola, foi pra Rondônia e chegou pra Beira-Mar:

- Me llamo Popó “El Sinistron”

  Popó... porque me llamo popó,

                         “El Sinistron”... porque soy sinistron. Vim pregar. Trouxe um prego, um martelo, e vou te pregar.

Beira-Mar comandava um crime pelo celular, e depois de ouvir Popó pensou que era mais pena. O narrador pausa quando Popó, martelo em riste, já ia pregar Beira-Mar.

E despausa quando Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló, aperreado, não sabia o que fazer. Via Popó naquela alucinação e se sentia impotente. Resignou-se que não podia ajudar, é assim mesmo, o efeito é longo e penoso. Mas teve uma ideia: trocou martelo por machado e Rondônia por Amazônia.

Popó “El Sinistron” estava agora na Floresta Amazônica. Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló, apreensivo, o acompanhava. Popó caminhava ao nada, olhos abertos e perdidos. De repente parou de frente a uma árvore, machado à mão, e exclamou para si mesmo, baixinho e repetidamente:

“Aqui é uma árvore,

e eu me llamo Popó “El Sinistron”,

                     Popó... porque me llamo Popó,

                                “El Sinistron”... porque soy sinistron!...”

Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló tomou-lhe o machado e sentiu que ele convalescia. Muita coisa havia se dissolvido, e Popó já entendia quem era de verdade. Em reverência, Fa-á-bi-o inclinou-se diante da árvore, e se convenceu de que recomeçavam a construção.

domingo, 7 de agosto de 2011

Sou mais Policarpo Quaresma

 

Não estou fazendo a menor questão de votar. Não estou nem um pouco a fim de fazer esse recadastramento biométrico. Se a Justiça Eleitoral não facilitar minha vida, vai ficar por isso mesmo.

Ando muito desiludido com política. Pouco ou nada leio sobre. Na verdade, penso que ler picuinhas políticas não é ler sobre política. Ainda não descobri fontes interessantes, mas sei que o erro é meu. João Ubaldo Ribeiro disse que essa minha postura já é uma opção política. Beleza, foi isso mesmo que escolhi.

E vou tentar justificar minha escolha: é uma honra ocupar um cargo eletivo. Ser presidente da república, governador, senador, prefeito ou deputado é uma honra! Representar o Estado, o povo, lutar pelos seus interesses, semear ideias de desenvolvimento, evolução, erradicação da miséria, contribuir para a felicidade do povo é de uma grandeza sem tamanho. Mas grande parte das pessoas que se candidatam, que querem ser “os eleitos”, nem atinam para a importância do cargo. Pensam logo nos privilégios, nas mordomias, no tamanho do salário e dos auxílios. Não querem saber da responsabilidade de administrar um monte de dinheiro e ser porta-voz de um povo. Aprendem a ser “políticos”, a se comportar como tal, na ilusão boba de enriquecer, ganhar prestígio.

Uma vez ouvi: “Esses cargos eletivos deveriam ser honorários, ninguém deveria receber nada por isso. A honra do cargo é a justa retribuição do trabalho”. É isso mesmo! Quem quiser enriquecer, quem quiser empregar a família e os amigos todos, quem quiser ser nome de obra pública, quem quiser fazer carreira de “político”, quem entende eleição como um jogo, quem quiser “montar” no Estado, que procure outra história. Sarney passou os últimos cinquenta anos estapeando a cara do povo maranhense, botou o próprio nome em praticamente todos os prédios públicos, virou bilionário, transformou o nome Sarney em sinônimo de sujeira e ainda foi eleito senador pelo povo que massacrou. A última dele é: “Quem estiver achando ruim que vá reclamar com o Criador”. Sarneys da política brasileira, não se enganem, Ele ainda vai reclamar com vocês. Francamente, eu sou mais Policarpo Quaresma.

“Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave, e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa”. Aqui está o embrião de um bom representante. A partir de agora só votarei em Policarpo Quaresma! E não me deixarei enganar.

Você pode estar pensando que somos nós todos que elegemos os Sarneys da política brasileira. Tá certo, a culpa é nossa, inclusive minha. Mas o Estado não deve incentivar a prática, não deve retribuir-lhes com tanto dinheiro e privilégios, nem nós devemos eleger os Sarneys. Eu por mim não voto mais em ninguém, estou totalmente desiludido, desinteressado. Eleição assim faz doer e amarga que nem jiló. Quem ocupar cargo eletivo não recebe mais dinheiro por isso, apenas ajuda de custo: casa, comida e roupa lavada e, o mais importante, a honra de ser um representante do povo, sua voz, de ter a oportunidade de ajudar e contribuir para a felicidade de todos. Logo de início sentiríamos as consequências. O número de candidatos diminuiria consideravelmente, porque grande parte dos mal-intencionados sumiria. A propaganda eleitoral seria muito mais verdadeira e interessante. Ou talvez nem precisasse de propaganda porque as pessoas naturalmente reconheceriam aqueles dignos de voto.

Eleição seria a coisa mais natural do mundo, sem confusão, morte, compra de voto. Os vencedores seriam o povo. Os Sarneys ficariam de fora. E o melhor de tudo: o povo sentiria os efeitos, pagaria tributo satisfeito, admiraria os eleitos. A verba, ao invés de enriquecer nossos representantes, enriqueceria a educação, a saúde, a segurança pública, o transporte, o próprio povo. Veja só, o nosso dinheiro seria bem empregado, nenhum político multiplicaria em vinte vezes o próprio patrimônio. Dinheiro não pararia na cueca de ninguém.

Uma última esperança: tomara que nossos Policarpos Quaresmas não tenham o mesmo triste fim daquele de Lima Barreto. Porque eu penso assim: uma andorinha só não faz verão, mas é de Quaresma em Quaresma que a galinha enche o papo. Francamente, sou mais Policarpo Quaresma.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cobais da SMTT (II)

 

"Uma campo minado dessa parrece Berlim no tempo da guerra", exclamou um alemão para quem eu dava carona. Vínhamos trafegando pela avenida Francisco Moreira, bairro Luzia, e de repente pooow!!! Cinco metros à frente e pooow!!! Não era é tempo de guerra, mas pooow!!!, eu atravessava um campo minado.

Perguntei ao rapaz da loja de alinhamento e balanceamento depois de quantos quilômetros devo refazer o serviço. Cinco mil, ele me respondeu. Fiz a mesma pergunta ao meu tio que mora em Brasília e cujos pneus rodam em média oitenta mil quilômetros. A resposta foi dez mil. Paguei quatrocentos e cinquenta reais de IPVA e mais não sei quanto de multa pra quê? Pra onde vai nosso dinheiro?

Por dois dias seguidos, acredito que por conta das chuvas de maio, a grande rede sincronizada de semáforos que existe por onde sempre passo estava em pane. Incrível: o trânsito fluiu melhor. Onde demorava em média cinco minutos demorou dois. E não vi nenhum acidente. Conclusão: uma rotatória bem sinalizada substitui muito bem a engarrafadora rede de semáforos sincronizada, que regula o trânsito no cruzamento entre a avenida Nova Saneamento e a rua Rafael de Aguiar. Detalhe: depois da quantidade de acidentes após a implantação da formidável teia de aranha, a SMTT procedeu como de praxe: mandou os multadores e resolveu instalar um pardal, quer dizer, encheu o cofre de dinheiro, mas o trânsito continuou lento e engarrafado.

semáforo

Por falar em rotatória... não existe sinalização naquela que está no caminho de quem vai pra UFS, Rosa Elze, São Cristóvão. Frise-se, a sinalização não existe, em nenhum sentido, de nenhum tipo. O trânsito ali é intenso o dia inteiro, uma ciclovia passa bem no meio, tem ponto de ônibus próximo, quando chove fica tudo alagado, é um deus nos acuda. Mas a engenharia da SMTT não viu necessidade em colocar uma plaquinha sequer, nem mesmo um pintura desbotada. Melhor dizendo, "serrá que existem engenheirros de trânsito oficiando na S-M-T-T?" perguntou o alemão, pesquisador de "barboletas" e "anicetos", professor de entomologia da UFS, que passa todo dia pela rotatória.

Não consigo conter o riso quando o apresentador do Bom Dia Sergipe diz, ao mostrar cenas das principais vias da capital, captadas pelas câmeras da SMTT: "Vocês podem ver que o tráfego de veículos é intenso". Alguém duvida que o trânsito está intenso às sete horas da matina? Há um tempo atrás vi um filme que se passava no Rio de Janeiro. Um dos personagens trabalhava numa sala com um monte de monitores em que passavam cenas das principais vias da cidade. Ao vivo e ao mesmo tempo, vários engenheiros e técnicos organizavam o trânsito, ora diminuíam o tempo de sinal vermelho de um semáforo, ora aumentavam o tempo de sinal verde de outro, ora determinavam que os guardinhas verificassem tal coisa. Não conheço a realidade de lá, mas acredito ser uma boa solução, que, Alô! Alô!, senhor Prefeito, pode ser financiada com a receita das multas, se é que ainda não foi torrada. Assim como se estuda História, Medicina, Direito, Cinema, Música, Biologia, Dança, Arqueologia, Futebol, Pedagogia, Psicologia, Astrologia, Letras, também se estuda Trânsito. Mas eu tenho quase certeza que a SMTT pouco ou nunca ouviu falar de Engenharia de Trânsito. Se você, Deus o livre, precisar fazer uma cirurgia no coração você vai atrás de um marceneiro? Pois, o coordenador de Trânsito da capital é um oficial da Polícia Militar. Nada esquisito num Estado em que policial ganha mais que professor. O homem, letrado em Segurança Pública, militar por excelência, atua de modo sensato, mas a questão é técnica. Alô! Alô!, senhor Prefeito, o que o senhor diria se o técnico do seu time colocasse o atacante pra jogar de goleiro? Só se fosse Pelé.

transito_0000_layer_1

A gente vem dirigindo na avenida Trancredo Neves, pela esquerda, a via de escoamento, quando de repente o trânsito está travado. Motivo: ainda existem vários retornos. Eu não consigo entender. E ainda fica estacionada uma viatura com alguns guardinhas lá dentro. Quando passo dou uma buzinadinha pra eles, na esperança boba de fazê-los comunicar a seus superiores a furada: "Ói, tem um rapaz que passa num celtinha e diz que é pra fechar os retornos". Acorda, Bartô.

E nós, cidadãos, batedores de ponto, motoristas de filho, clientes do transporte público, professores e estudantes universitários, grandes empresários, altos e baixos funcionários públicos, empregados de todo tipo, todo mundo sofre com esse trânsito bagunçado, desorganizado. "Nunca valorrizei tanto o profissão de motorrista", disse o caçador de "anicetos". É certo que a falta de educação não poupa o trânsito e que as vias não foram projetadas para tantos carros, mas somos cobaias de um órgão que não trata o trânsito de maneira técnica, que pouco contribui para um trânsito organizado, agradável e fluido. Se Bin Laden reencarnar aqui em Aracaju, o Prefeito vai ter que montar a SMCBLs, Superintendência Municipal de Combate a Bin Ladens. Oxalá que não venha coordená-la o atacante nem o marceneiro, muito menos o goleiro. Meyer, o entomologista, coitadinho, "não vejo a horra de voltar parra minha querrida Saxônia".

raquetes

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sobre antropofagia, churrasco e chacina

 

Não me espantei quando li nos Cronistas do Descobrimento que os índios brasileiros comiam carne humana. É certo que tamanha violência nunca passa confortável, mas me lembrei de tanta coisa que acontece quinhentos anos depois.

Os cronistas relatam que o prisioneiro-refeição era tratado mais ou menos assim: amarrado com a mussurana, corda de algodão tropical tecida pelas mãos femininas da tribo, recebia além de bofetadas e ameaças alguns presentes: dispunha, no sentido mais amplo do termo, das mulheres da tribo, muitas vezes a filha do cacique. Havia casos em que a índia-guardiã sentia o coração apertado e, condolente, cuidava do prisioneiro como só as mães sabem. Se ele ficasse doente, acalento, reza e erva. Isso sim é uma prisão! Claro que tanto zelo não era regra.

Os prisioneiros eram sempre inimigos da tribo. O alemão Hans Staden foi mantido prisioneiro pelos tupinambás, que eram inimigos dos portugueses e pensaram que ele era português porque naufragou com os portugueses. Quando franceses amigos dos tupinambás revelaram sua verdadeira nacionalidade, o relacionamento mudou e muito: era tempo de guerra, e Hans Staden, que sabia da movimentação portuguesa, passou a ser uma espécie de oráculo dos índios. Ainda escravo, não mais refeição.

Hans Staden, homem de muita fé, nos conta que:

“Depois dão-lhe (ao prisioneiro) uma mulher, que o alimenta e também se entretém com ele. Se ela recebe um filho dele, criam-no até que fique grande e depois, quando lhes vem à mente, matam-no” (Hans Staden, Duas viagens ao Brasil, L&PM Pocket, 2010, p. 160).

Eu fiquei pensando: não é isso que hoje nós fazemos com alguns dos nossos queridos companheiros? Nós, civilizadíssimos, filhos do conhecimento e da robótica, homo sapiens sapiens - vejam só, duplamente sábios! -, fazemos a mesma coisa. Troque prisioneiro por boi, mulher por vaca e criança por bezerro. Imaginem uma fazenda qualquer, dessas que existem aos bocados aqui na Terra do Pau Brasil. Quanto verde, quanto ar puro, que tranquilidade! Isso sim que é vida! Mas cuidado, amigo boi, “o beijo é a véspera do escarro”, Augusto dos Anjos bem o sabe, tu nem imaginas o que vai acontecer. Fostes criado tão bem, à vontade, tranquilo, para que na mesa, depois de assado, fiques saboroso, macio e suculento.

 

esquartejamento

Acho que não fui preciso. Amigo boi, amiga vaca, amiga galinha, amigo peru, amigo porco, vós nem desconfiais de nada. Quer dizer, um mugido de dor, um piado de medo, um grunhido de agonia revelam a traição e despertam a turma toda. Vos bentrataram e engordaram, para vos devorarem. Entre parênteses: o peru foi encontrado no Peru pelos espanhóis e levado para a Espanha, depois chegou a Portugal e ao Brasil. E muitas vezes antes de ser por nós executado bebe cachaça, para relaxar. Incrível coincidência: no ritual canibalesco, “O prisioneiro tem de beber com os selvagens”, (STADEN, 2010).

Para comer bichos terrestres, os índios caçavam; para comer peixes, pescavam. A ênfase não é por acaso. Caçar e pescar era um ritual. Stellio, embrenhavam-se na mata, olho no olho do bicho e lançavam a seta. Ou então armavam uma arapuca e traziam a refeição. Em caso de má sorte, seriam a refeição. Habilidosamente, em silêncio e na ponta dos pés, beiravam o rio e fisgavam o peixe. Sem essa de gancho de açougue ou prateleira de supermercado a expor cadáveres semicongelados. Nada de hambúrguer empacotado ou petisco de mesa de bar. Não, não se engane com essa história de que a vida moderna é diferente. Só é ultraveloz para quem quer que ela seja. Não ponha a culpa nisso ou naquilo. A culpa é nossa. Hans Staden: “Naquela terra só há o que se busca na natureza” (op. cit., p. 61). Entre parênteses: segundo o Houaiss, estelionato vem do latim stellio, que significa ‘lagarto estrelado, estelião’, daí velhaco, trapaceiro, porque o estelião muda de cor.

O índio tratava seu prisioneiro-refeição às claras, sem perfídia. No pocaré, o ritual canibalesco, as mulheres desempenhavam um papel curioso: amarravam chocalhos nos pés e dançavam e cantavam ao redor do banquete, que sentia o clima porque a tudo via e ouvia, e da ibirapema, maça com que o matam. Na iminência de ser devorado, a única esperança era tentar fugir. Hans Staden teve mais sorte: em vez de comida, virou escravo; em vez de fogueira, foi objeto de escambo. Assim conseguiu a liberdade: foi trocado por “alguns objetos, facas, machados, espelhos e pentes, no valor de cinco ducados” (op. cit., p. 121).

Era o sentimento de vingança que orientava as atitudes dos índios canibais. É o sentimento de vingança que nos orienta quando fazemos churrasco dos nossos companheiros? Ou apenas um mau costume? Hans Staden nos conta que:

“Ele (chefe do grupo indígena) falava e lhes contava que comigo eles tinham capturado um peró – assim chamavam os portugueses – e que me tinham feito escravo e que, agora, comigo, iriam vingar a morte de seus amigos. (…) Então iriam me matar, cauim pepica, isto é, preparar bebida, reunir-se, fazer uma festa e comer-me, todos juntos. (…) Era dele um dos cristãos assados, e, de acordo com o costume, mandou os selvagens prepararem a bebida. Muita gente reuniu-se, beberam, cantaram e fizeram uma grande festa” (op. cit., p. 63 e 113).

pedaços

Churrasco!, fizeram churrasco do cristão! É a esse péssimo costume que damos continuidade? Gostoso?!?! Fonte de proteína?!?! O jesuíta recomendou ao índio, e hoje o médico recomenda ao paciente: evite, jogue fora o costume de comer carne, sobretudo a que tem sangue. E dessa vez sem intenções escravo-colonialistas.

Entre parênteses: segundo o Houaiss, chacina é abate e esquartejamento de porco ou gado. Assassinato em massa com crueldade é um sentido derivado. Por isso, caro leitor, não se espante quando ouvir falar de churrascos, quer dizer, não se espante quando ouvir falar de chacinas no noticiário.

domingo, 27 de março de 2011

Cobaias da SMTT

 

No trânsito, estamos na mesma situação dos ratinhos de laboratórios: somos cobaias. A Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte está fazendo várias experiências conosco...

Há alguns dias, este que vos escreve pedalava ao crepúsculo ali pela rua que dá nos fundos do G. Barbosa da Francisco Porto, no sentido que encontra o rio Sergipe. E se deparou com aquele cruzamento. O leitor deve saber de qual estou falando. É curioso, passei alguns minutos procurando um adjetivo para caracterizá-lo, mas não aconteceu. Enfim, a cena era uma cruz de carros, com algumas deformações ao longo dos eixos. No encontro deles a situação era crítica. Cruz lembra martírio, sofrimento: o cruzamento estava um nó górdio, um microcosmo regado a (barulho de motor), buzina, fumaça e caretas. Fui contaminado: minha reação foi apontar o dedo indicador direito em direção à orelha direita e girá-lo ao redor dela, para externar a sensação desagradável. Agradeci pela espontaneidade contida, porque caso soltasse as duas mãos iria ao asfalto. Tudo indica que se estivesse a pé correria doido: Aaahhhhhhhhhhhh!!!

“A preferência é de quem vem de lá ou de cá?”, me perguntei. “Era de lá, mas agora é de cá”, respondi para mim mesmo. Os cientistas da SMTT não param de brincar. Beleza, todo o mundo sabe que as vias não foram projetadas para essa quantidade de carros, mas as brincadeiras da SMTT são tão mirabolantes, que os motoristas-ratinhos ficam confusos. Depois de confundir a todos naquele cruzamento, observei que a SMTT colocou duas placas discretas de PARE nas esquinas e, no asfalto, há uma “pintura” desbotada. Encontrei o adjetivo: desbotado. Aquele cruzamento está desbotado, perdeu o brilho, a firmeza. E a SMTT, a credibilidade. Faltou veemência: um quebra-molas ou sonorizadores talvez resolvessem o problema. Os ratinhos se sentiriam melhor.

E essa multiplicação de pardais, lombadas e semáforos? São importantes, mas como qualquer instrumento, técnica, teoria, traje, discurso, existe o momento oportuno de usá-los. É a adequação. Se o dinheiro das multas servisse para financiar campanhas de educação no trânsito, como propagandas na televisão e no rádio, panfletos, jornais. Ou para o aprimoramento técnico do pessoal da SMTT. Ou para melhorar a engenharia do trânsito da nossa capital, vá lá. Aliás, quantos engenheiros de trânsito oficiam na SMTT? O cacique de lá é um médico e o coordenador de trânsito, um oficial da Policial Militar. Não será essa a razão de tantas experiências falhas e mirabolantes? Talvez por isso o cruzamento ficou desbotado e os ratinhos, confusos. Eu, de bicicleta, alucinei por um breve instante. Imagine um motorista na presidência do Banco Central, ou um cardiologista gerenciando uma grande rede de supermercados, ou um filósofo pilotando um boeing, ou um bombeiro militar na magistratura. Adequação, meus caros, adequação. Como hobby ou no video game pode dar certo. E um Humorista no Congresso? Não, esse último exemplo não serve porque até agora Tiririca está nos representando bem: votar a favor do aumento do salário mínimo na contramão da bancada é para poucos. Trânsito e o Transporte são coisas sérias.

Transporte né. Dá pra chamar de transporte público esses ônibus sujos, velhos, lotados e com tarifa cara? É mangação. Será que os caciques ou seus filhos andam de ônibus? Vá de carro, a pé, de bicicleta, voando, não vá. Ir de ônibus é perdido. Em horário de pico é mais ou menos como se embrenhar na selva: tem que saber se esgueirar, prestar muita atenção nos sons e no ambiente e tomar cuidados para não se machucar. Tarzan só sentiria da falta do cipó. Cacique é chefe de índio, e índio é bom de mato, mas não dá pra entender os caciques daqui, não facilitam a vida de seus índios. Outro dia o cacique da SMTT disse que não instalava passarelas em Aracaju, porque o povo daqui não tem costume de utilizá-la. Utilizar como se não existe por aqui? Eu só tenho lembrança de uma, próximo ao Atacadão.

As empresas responsáveis pelo transporte coletivo só servem pra financiar campanha eleitoral. Já prestou atenção nos ônibus que transportam os funcionários da Petrobrás, Vale do Rio Doce e outras empresas? Dá pra ir cochilando. Aqui em Aracaju, via de regra, agente de trânsito não serve pra orientar, educar e facilitar. Na maioria da vezes eles estão atrás de uma moita, multando. Multar, multar, multar. Vi no jornal que agentes de trânsito estavam sendo transferidos para outros setores sem justificativa. Um deles disse que não autuava há dois meses e desconfiava ser esse o motivo. Senhor, escutai a nossa prece!

Vou-me embora para Pasárgada / lá sou amigo do guarda / lá tenho o veículo que eu quero / na via que escolherei. Acorda, Bandeira. O destino do dinheiro das experiências da SMTT não é Trânsito nem Transporte. “Bossuet dizia que o verdadeiro fim da política era fazer os povos felizes; o verdadeiro fim da política dos políticos da Bruzundanga é fazer os povos infelizes” (Os Bruzundangas, Lima Barreto). Um século depois o papo continua o mesmo.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Homem coisa

Por Rodrigo Maia da Fonte.

rodrigo.maia_ufpe@hotmail.com

 

Após os fatídicos anos do colegial, época em que teve extrema dificuldade de saber exatamente a que grupo pertencia, Silva resolvera que precisava definir-se. Não se enquadrar em nenhum bando social já estava lhe incomodando.

Inspirado em uma aula de literatura do ensino médio, Silva chegou à conclusão de que todos aqueles garotos que o criticavam e o apontavam no colégio não passavam de burgueses coisificados. Naquele momento, a reificação das pessoas pareceu um motivo excelente para explicar as suas angústias.

Após a lição escolar, percebeu Silva que a alienação daqueles garotos os transformava em coisas. Nessa condição, sem pensar, eles se tornam preconceituosos, insensíveis e determinados a terem o mesmo futuro: serão católicos, inspirar-se-ão na cultura branca e estrangeira, se matricularão em cursos tradicionais e se formarão neles, se prenderão às gravatas nos seus cargos importantes, terão famílias iguais às dos seus vizinhos, serão infiéis, comprarão e consumirão, sem pensar, tudo aquilo o que os seus colegas publicitários lhe venderem (independente do quão antiético pareça aquele consumo), envelhecerão com bons planos de saúde e assim vai...

Determinado, Silva já sabia bem o que não queria ser, e, sem pensar, iniciou-se num processo de “identificação”. Já possuía algumas características que lhe rendiam o rótulo de “alternativo” aos padrões e resolveu afundar-se nessa opção.

A partir dali, Silva, sem pensar, passava a combater os “homens coisas”.

Foi então que, sem pensar, passou a se interessar por outras religiões. O seu Deus já não podia mais ser igual ao de todos aqueles garotos coisificados. É bem verdade que Silva nunca se preocupara em decifrar o que Deus significava para ele. Também ignorava o fato de que para conhecer Deus o homem precisa antes conhecer a si próprio. O que Silva sabia é que não podia ser igual aos meninos do colégio. E logo, sem pensar, resolveu que adotaria a religião dos longínquos habitantes de um pequeno povoado localizado num país que ele nada conhecia como sua nova religião. Dessa forma, não seria coisificado como os demais.

Motivado por seu ideal de combate ao rótulo dos “garotos coisas”, Silva resolveu que ao sair do colégio escolheria logo um curso bem diferente daqueles já conhecidos. Sabia, mesmo sem pensar, que nunca cursaria Direito, Medicina ou Engenharia. E assim o fez. Escolheu um curso bem diferente de tudo o que podia imaginar e então, sem pensar, determinou o que faria para o resto da vida.

Assim também o fez com os filmes, músicas e livros. Nada de blockbusters, música pop ou Paulo Coelho. Silva nunca vira, escutara ou lera nada disso, pois, sem pensar, sabia exatamente que aquele era o tipo de cultura dos seres “coisas”. Mesmo sem saber direito se era bom ou ruim, sem pensar, Silva não perdia um filme do Almodóvar, comprava vinis desconhecidos no mercado e só lia os artigos que não fossem científicos (além do Coelho, também não podia ler Machado de Assis, Rubem Fonseca ou Guimarães Rosa, uma vez que esses já haviam sido lidos por aqueles conhecidos garotos na época do vestibular).

A ideia, sem pensar, era a mesma para várias outras coisas: não ia casar, tinha ojeriza àqueles que andavam em seus carros, não compraria nada importado, não isso, não aquilo... com o tempo, sem pensar, falava com ironia para seus amigos que guardavam características dos “sujeitos coisas”: “você, quando quer ser diferente, namora uma garota de outro curso e se acha cult por isso...”; “já leu o novo livro do Harry Potter?”; “como andam suas aulinhas de direito?”...

Há pouco tempo, Silva acessava a internet quando, mesmo sem querer, leu uma notícia informando que um estilista famoso se manifestara publicamente de forma racista e antissemita e que tal manifestação havia sido gravada por um cinegrafista amador. Abaixo da notícia continha a informação: “para assistir ao vídeo, clique aqui”. Curioso, Silva clicou no local indicado e, após assistir com indignação à gravação, percebeu que o estilista lhe lembrava aquelas “pessoas coisas” as quais, alienadas e insensíveis, estavam sempre carregadas de preconceitos.

Com aquela imagem do estilista preconceituoso e dos meninos coisificados na cabeça, Silva, sem pensar, comentou com indignação o vídeo assistido: “essas ideias só poderiam ter saído da cabeça dessa bicha de merda... tinha que ser um veado enrustido...”.

Naquele momento, Silva completara com louvor todo o seu processo e, sem pensar, assim como os garotos da escola, havia se transformado em coisa. Em coisa também certamente já foi transformado este que vos escreve e provavelmente esse que agora lê tudo isso.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

MANIFESTO DA TORCIDA FLAMENGUISTA

 

A alegria ronda a Gávea…

Vamos todos vestir a camisa do Mengão! Vamos esquecer essa história de time, essa rivalidade boba que nos separa. Vamos pensar na arte, no futebol, no craque. Vamos nos unir e vestir a camisa do Mengão!

A vinda do Gaúcho é espetacular para o futebol brasileiro. Não vou dizer sem precedentes, porque Romário inaugurou triunfalmente o movimento. O craque atrai coisas boas: o Fenômeno voltou ao Brasil gordinho, já em final de carreira, e mesmo assim o Corinthians foi campeão da Copa do Brasil/09 e quase do Brasileirão/10. Pela segunda vez na história mas num momento oportuníssimo, véspera de Copa do Mundo no Brasil, o time de maior torcida do mundo, que conta com mais simpatizantes no mundo, que é tão celebrado quanto os profetas, repatriou um craque da bola, de fato “experiente” mas ainda jovem, com preparo físico e motivado. Pela segunda vez mas extraordinariamente, botou pra jogar um homem que vai trazer se não a felicidade pelo menos o bom-humor de metade das pessoas do mundo. Explicarei. Imagine o Mengão, Reino da Alegria, campeão da Copa do Brasil, depois da Libertadores da América, depois do Mundial Interclubes. Possa o Mengão bem-humorar um único resmungão, que já valeu a pena. Mas imagine bem-humorar tantos milhões de torcedores e mais tantos milhões de simpatizantes do maior clube – sim existem os que vestem a camisa e também os simpatizantes. Como nós somos a maior torcida, logo temos o maior número de simpatizantes. Resumindo: se o Flamengo for campeão do mundo, o índice de bom-humor mundial aumentará. Só vou apostado. Menos resmungões e ranzinzas. Muito bem. Nunca imaginei o Mengão desempenhando um trabalho social tão importante, nunca imaginei que em 81 semelhante façanha tenha ocorrido. Ligarei para a ONU, falarei com o Secretário Geral e encomendarei a pesquisa. Tenho certeza absoluta de que estou certo. Nunca a lógica foi tão coerente. Nunca. Parabéns ao Mengão.

Fred, Fenômeno, Robinho, Roberto Carlos, Elano e agora o Gaúcho são os retirantes da alegria. Ficaram de saco cheio da Europa e voltaram pra casa. A busca é de alegria, é o resgate da alegria. Tem muita gente querendo voltar. E isso é demais para o futebol brasileiro, para sua (re)valorização. Só de pensar em ter de volta os craques me arrepio. Pensar que a molecada-craque-de-bola agora pensa duas vezes antes de emigrar me enche de esperança.

Copa do Mundo vem aí e todo mundo quer jogar por aqui. Palmas para o Santos de Neymar e do Ganso, que ainda jogam no Brasil e que, permita o Criador, jogarão por mais tempo! Só de pensar no timaço do Mengão me sinto eufórico. Torçamos, amantes do futebol do mundo inteiro, para que o movimento, a retirada continue. Torçamos para que, como Zico, o Gaúcho, todo alegre e genial, conduza o Mengão a Tóquio, porque o índice de felicidade mundial aumentará. “O moderníssimo robô japonês Royal registrou as maiores médias mundiais de bom-humor. Especialistas associam o fato ao estilo futebolístico do Flamengo, campeão mundial deste ano”. Incrível: a mesma manchete nos principais jornais do mundo, New York Times, Le monde, O Clarín, Récord, Folha de São Paulo, The Daily Mirror, Komsomolskaya Pravda, Konan Akimura. Pesquisarei os registros de 81. Glória ao Gaúcho, Senhor.

Vamos assistir aos jogos do Mengão. Vamos viver no Reino da Alegria, saudar o Rei. Vamos incorporar seu espírito, usar sua máscara, vestir sua camisa. Vamos arregalar o olho à sua mágica, berrar o grito de gol. Vamos todos vestir a camisa do Mengão!!!

Flamenguista de todos os países, uni-vos!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Diálogo Sedicioso

Será que o tráfico realmente vai acabar? As Unidades de Polícia Pacificadora trouxeram essa pergunta. Por outro lado, será que a estratégia que o Estado abraçou no combate às drogas é producente? E se o Estado liberasse o uso? É difícil dizer. Mas algo é certo: enquanto houver consumo ilegal, haverá tráfico.

As drogas sintéticas em geral são drogas de verdade, foram concebidas pra viciar, tão matando muita gente e precisam ser exterminadas mesmo. E a situação da latina Marijuana, da xamânica Santa Maria, da sânscrita Ganja, da jamaicana Kaya, uma planta que é considerada droga? Falo de uma plantinha, que desde sempre foi erva medicinal/terapêutica de culturas milenares, e hoje é considerada droga. O brasileiro, tão negro e índio, perdeu o direito de plantar e colher essa erva? Perdeu o direito de fumá-la, inalá-la ou dela fazer chá? Perdeu o direito de simplesmente contemplá-la? O Estado tem esse direito? De proibir uma planta?! Joãozinho ficou confuso.

- Professora, se um dia cismarem com uma erva qualquer, como a camomila, a cidreira, a erva-doce, a hortelã, o boldo, a sálvia, o sene, o sambacaitá, ou outra qualquer, o Estado pode sem mais nem menos proibir-lhes o plantio e o consumo? Daí as pessoas que gostam daquelas ervas, que as utilizam de alguma forma vão ficar privados disso? Eu sei que fumar não faz bem, mas não é demais proibir a planta? Porque, professora, eu sei que autolesão não é crime e que as ervas em geral têm uso variado, terapêutico, culinário, têxtil, cosmético, estético. Se o Estado libera álcool e nicotina pra maiores de 18 anos, qual o problema de liberar a Santa Maria, uma erva que a mãe Terra desde sempre nos deu e sempre nos dará? Qual o problema de o Estado regulamentar o uso, fiscalizar a produção e tributar o produto, como é praxe? Eu não consigo entender, professora. Já pensou se o povo dos Andes fosse privado de mascar a folha da coca, se os funcionários públicos e empregados em geral fossem proibidos de tomar o bendito cafezinho, e ainda presos se resistissem à proibição? Faz algum sentido, professora, o que eu digo?

- É, Joãozinho, realmente isso tudo é muito curioso. Eu não deveria, porque você ainda é muito pequeno, mas vou lhe contar uma história. Foi na década de 30 que o governo americano cismou, proibiu no seu território e ainda fez lobby mundial para que os outros países também proibissem a então bastante popular marijuana. No começo do século XX os negros e latinos que habitavam os Estado Unidos da América gostavam da erva, costume que vinha de seus ancestrais. Os brancos logo descobriram que a melhor maneira de controlar, de “moralizar” os negros e latinos era criminalizar um de seus costumes: fizeram uma campanha mentirosa em que a erva era relacionada com crimes graves. Um descaramento. E assim transformaram a erva em coisa de criminoso, o que serviu de pretexto para a proibição. Além do mais, gente interessada na criminalização financiou a campanha do governo, naquele tempo o interesse empresarial na cannabis aumentava e preocupava a concorrência. E, coisa esquisita, impressionante, non sense, ininteligível, inefável, os Estados do mundo inteiro, inclusive o brasileiro, de uma hora pra outra, sem comprovação científica de dano, resolveram proibir a plantinha. Todo o mundo voltou-se contra uma plantinha.

- E foi, professora?! Quer dizer que na história do homem a plantinha sempre existiu, que não são nem cem anos de proibição? Que ela sempre foi usada para fins medicinais/terapêuticos? Então, não há motivo para proibi-la. Coitadinha dela, professora, nós homens sempre temos que culpar alguém, né?

- A proibição é o motor do tráfico, Joãozinho. E com a proibição e o tráfico, a planta atrai rebeldia, revolta, fuga. Não permanece a mesma, absorve muita negatividade e quando chega nas mãos do usuário não tem o mesmo efeito: é uma plantinha doente, que faz adoecer quem a usa. E isso serve pra tudo que é vivo, que é divino: cuide com amor, que esse amor volta pra você.

Entendo, professora, e tem gente que quer ganhar dinheiro fácil e rápido e resolve “traficar” a erva. Não seria agora o momento oportuno, professora, de o Estado brasileiro mudar de estratégia e descriminalizar pelo menos a plantinha? Serve de experiência, fazer o mesmo com as drogas de verdade talvez dê certo.

- É, Joãozinho, a lei hoje no Brasil diferencia usuário de traficante. As penas para o usuário são leves, ele é tratado como doente, e não há prisão. A punição para o traficante é muito dura. Acontece que quem financia mesmo o tráfico, traficante de verdade raramente vai preso. Nem sempre é fácil diferenciar traficante de usuário. E outra: o mundo não vai parar de se relacionar com a erva. Nessa caldeira de povos, numa nação tão miscigenada como o Brasil, proibir uma erva é impraticável. Eu realmente acho que está na hora de o Estado regulamentar o uso, fiscalizar a produção e tributar o produto, como é praxe. E deixar livre quem quiser plantar a erva para consumo pessoal, como acontece com as outras. Já passou da hora dessa hipocrisia e desse preconceito acabarem. O problema é o tráfico, não a erva.

- E quem gosta da erva, professora?

- Não existe perfil, Joãozinho. Trabalhadores braçais, músicos, pintores, escritores, intelectuais, místicos, religiosos, pais de família, não existe perfil. A Ganja tá no mundo há muito tempo, é muita pretensão do homem querer acabar com ela. China, Índia, Egito, Europa, América, ela existe no mundo todo. E chegou aqui no Brasil... Quer dizer, o relacionamento com a Santa Maria vem dos índios que habitavam o Brasil antes de chegaremos os europeus, que também já usavam o cânhamo para fabricar roupas, cordas. Dizem que a esquadra de Colombo chegou à América lotada de cannabis. E os negros africanos que aqui chegaram como escravos também trouxeram a cultura da erva, para aliviar o peso do trabalho. Ou seja, a Ganja faz parte do imaginário do povo. É cultura.

- Vou falar pro meu pai, professora, ...

- Não, Joãozinho, não fale pra ninguém! Sou professora e não posso falar essas coisas pra uma criança. Ai, meu Deus! Você vai me meter numa enrascada, Joãozinho, volte aqui!