quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Popó “El Sinistron”

Me llamo Popó “el sinistron”

Popó... porque me llamo Popó

            “El sinistron”... porque soy sinistron!

Sentia um misto de prazer e orgulho quando se apresentava assim. Dizia as palavras de forma expressiva, pausada, com eloquência. Batia de leve a mão esquerda no peito e levantava o queixo diante da primeira parte, afirmativa. Para dizer a segunda e a terceira, explicativas, tirava a mão do peito, apontava o dedo indicador para cima e fitava seu interlocutor, olho no olho. Enquanto dizia “soy sinistron”, arregalava os dois olhos, e o olhar se perdia, assim como o juízo. E dizia o último “tron” de maneira rasgada e alongada. Um momento de Glória.

Tinha malícia de malandro e brilho no olhar. Cativou assim confiança e amizade de Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló. Os dois se conheceram na escola, Popó “El Sinistron” e Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló cresceram, saíam por aí e pera ali, e chegaram naquela psicodelia peculiar da adolescência. Fa-á-bi-o conta com alegria e nostalgia o dia em que Popó pegou aquele jarro-pênis da Laranja Mecânica e botou na cabeça feito coroa. Queria ser o rei do crime, mas era o rei das graças.

Na escola, depois de conhecer Macunaíma, Popó transformou brother Marcos em celphone e ring, ring, ring pra Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló, que, quando chegou, viu brother Marcos com partes arrancadas e jogadas na parede. “El Sinistron” não gostou da pane telefônica e foi acometido de súbito pela destruição. Arquejante, Brother Marcos se destransformou, braço quebrado, perna torta, bateria capenga, nariz sangrando, visor estourado, olho roxo, todo esbagaçado. “Agora vou mimi com o adorável Ludwig Van”, suspirou Popó.

No dia do Santo, Dai-me, Popó “El Sinistron” ralou o olho. Chamou Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló para brincar com as meninas do Acre, mas elas não entenderam quando Popó disse que queria delirá-las e curá-las. Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló ainda tentou precatá-lo: “Esse chá mais essas nega, óia, se saia”. Elas viajaram e não chamaram Popó, que magoou e tomou o chá alone in the dark. “E nos delírios meus grilhos temer”. Zé deu o recado, e Popó foi parar na terra do Ralo, veio um ralador gigante e lhe ralou O Olho. Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló só observava.

Uns dois minutos depois da ralada, Popó estava estatelado de peito pra cima, e Blhelelé Blheleló, banzeiro, tentava compreender. Popó, na viagem onírica, conferenciava com Macunaíma.

- Sou um herói sem nenhum caráter.

- E eu me llamo Popó “El Sinistron”

         Popó... porque me jamo popó,

                        “El Sinistron”.... porque soy sinistron!

- Você é feio, subaco e sem estilo, Popó, mas me siga.

Popó “El Sinistron” viajou de ave(ão) com Macunaíma e foi parar na foz do Rio São Francisco. Lá de cima compreendeu pela primeira vez. Ficou impressionado com as imensidões se encontrando.

- The big sun is in the eye... - disse o ave(ão).

- É... e, prazer, me llamo Popó “El Sinistron”

                                   Popó... porque me jamo Popó,

                                                        “El Sinistron”... porque soy sinistron.

Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló via Popó “El Sinistron” deitado no Acre, se debatendo e grunhindo baixinho. O juízo dele está atormentado. Popó, Popó, acorda, as nega já foram. E tentou trazê-lo de volta, saudando-o com o canto tribal de sempre, que foi criado, recriado e burilado durante anos de amizade fiel:

- Popó-ó-ó Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelgh Blhelg llo baba Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelgh Blhelgh llo baba Blhelg Blhelg Blhelelóóó!!!

A tentativa não deu certo, Popó não escutava Fa-á-bi-o e pulou de cabeça dentro do Atlântico, na maior natação. Várias piruetas extraordinárias, nem se ligou no perigo. Tava de caranguejo conversando com um tubarão. Crepusculava, e Macunaíma se preocupou. Então se fantasiou de jiboia voadora e foi buscá-lo no fundo do mar.

- Me llamo Popó “El Sinistron”

Popó... porque me jamo Popó,

            “El Sinistron”... porque soy sinistron!

Subitamente JiboÍma se enrolou todo em Popó e alçou voo pro céu, onde o ave(ão) os resgatou e deu pagação:

- Porra, porra, porra, Sinistrão!

Macunaíma agora se vestiu de magistrado e aplicou-lhe a punição:

- Vai pra Rondônia visitar Beira-Mar, vou te transformar em anjinho e você vai pregar.

Popó “El Sinistron”, de auréola, foi pra Rondônia e chegou pra Beira-Mar:

- Me llamo Popó “El Sinistron”

  Popó... porque me llamo popó,

                         “El Sinistron”... porque soy sinistron. Vim pregar. Trouxe um prego, um martelo, e vou te pregar.

Beira-Mar comandava um crime pelo celular, e depois de ouvir Popó pensou que era mais pena. O narrador pausa quando Popó, martelo em riste, já ia pregar Beira-Mar.

E despausa quando Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló, aperreado, não sabia o que fazer. Via Popó naquela alucinação e se sentia impotente. Resignou-se que não podia ajudar, é assim mesmo, o efeito é longo e penoso. Mas teve uma ideia: trocou martelo por machado e Rondônia por Amazônia.

Popó “El Sinistron” estava agora na Floresta Amazônica. Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló, apreensivo, o acompanhava. Popó caminhava ao nada, olhos abertos e perdidos. De repente parou de frente a uma árvore, machado à mão, e exclamou para si mesmo, baixinho e repetidamente:

“Aqui é uma árvore,

e eu me llamo Popó “El Sinistron”,

                     Popó... porque me llamo Popó,

                                “El Sinistron”... porque soy sinistron!...”

Fa-á-bi-o Blhelelé Blheleló tomou-lhe o machado e sentiu que ele convalescia. Muita coisa havia se dissolvido, e Popó já entendia quem era de verdade. Em reverência, Fa-á-bi-o inclinou-se diante da árvore, e se convenceu de que recomeçavam a construção.

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