segunda-feira, 19 de março de 2012

Quem bater no filho é a mulher do padre

Existe hoje no Brasil uma crença de que uma lei qualquer consegue revolucionar os costumes do brasileiro. Você acredita que a Lei Seca convenceu de que não se deve beber e dirigir? Ou que a Lei Maria da Penha diminuiu os casos de violência doméstica? Ou que o pai vai deixar de bater no filho por conta da nova Lei da Palmada?

Até 2003, a pena mínima para o porte ilegal de arma de fogo era de um ano de reclusão. Com o Estatuto do Desarmamento, a pena mínima passou para dois anos. Em 2006, a nova Lei de Drogas firmou a pena para quem traficar drogas ilícitas em cinco anos de reclusão, no mínimo, dois a mais do que a anterior. Eu fico me perguntando se quem mexe com arma ou droga se sentiu intimidado por essas penas mais altas. Eu realmente acredito que esse pessoal não consulta um advogado antes.

Foi no século XVIII, no tempo dos Iluministas, do antropocentrismo, do combate ao absolutismo, que um estudioso do Direito Penal chamado Beccaria deixou bem claro que o importante é a certeza da punição para quem viola as normas de comportamento social, não a quantidade de pena. Há três séculos é consenso entre os que se debruçam de verdade sobre o fenômeno do crime que se deve abandonar o direito penal vingativo e irracional. Se penas altas resolvessem o problema, não haveria no Brasil crimes de estupro (seis anos no mínimo), homicídio (seis anos no mínimo), muito menos latrocínio (vinte anos no mínimo). Se se precisa de dez passos para resolver esses problemas de arma, droga, violência, bebice no trânsito, essas leis são apenas meio passo. Quanto mais justiça social, oportunidade, cuidado, menos violência. Por isso, não queira culpar um bode expiatório qualquer, somos todos culpados, sem exceção. Nessa longa caminhada, cada um deve fazer a sua parte.

Uma das funções do Direito Penal é encarcerar um grupo social indesejado, fazê-lo desaparecer com os métodos mais violentos. É varrer a sujeira para debaixo do tapete. Historicamente sempre foi assim, o Estado, para resolver um problema “rapidinho”, dá um “jeitinho” e criminaliza um costume ou uma conduta de um grupo social marginalizado. Pense na Guerra de Canudos e na criminalização de usuários de maconha, para ficar em apenas dois exemplos.

A nova agora é encarcerar usuários de crack, com a enganação de tratar-lhes a saúde, o vício. Um descaramento. O objetivo é “higienizar” as ruas das cidades brasileiras. Os profissionais das áreas afins já concluíram que manicômio não dá conta do recado, inclusive a política nacional já avançou nesse sentido. Mas agora vai regredir para enganar sei lá quem, uma tristeza. A chave é Assistência Social, Educação e Oportunidade.

Os produtores de vinhos colocam uma garrafa com dois dedos da bebida num lugar estratégico, próximo à plantação. É uma armadilha contra as moscas, que nunca mais conseguem escapar do recipiente. É assim que funciona com o sistema prisional: quem nele entra dificilmente sai.

Mas existe esperança, a nova Lei da Prisão Preventiva veio para assentar o que os juízes mais sensíveis já faziam: prisão é o último recurso, e só deve ser aplicada em casos excepcionalíssimos. Existem vários argumentos a favor e contra prisão, mas é este que me convence: a compaixão é um dos fundamentos de qualquer grande sistema filosófico ou religioso, é a base das relações humanas. Por isso, tenha piedade, a prisão é contraproducente para o preso e toda a sociedade, e não traz nada de bom para a vítima, apenas lhe satisfaz um desejo bobo de vingança. Seja solidário nessa hora também.

O melhor de tudo é que a nova Lei da Prisão Preventiva, assim como qualquer outra, é geral, serve para nós mesmos e para nossos filhos. Ou somos todos bonzinhos e nenhuma vez na vida dirigimos embriagados, ou difamamos alguém, ou furtamos qualquer objeto, ou fomos preconceituosos com algum grupo social diferente ou marginalizado, ou compramos CD e DVD pirata, ou plagiamos alguma ideia alheia? Tudo isso aí é crime, toda e qualquer pessoa é capaz de cometer um. A pena mais difícil de cumprir é a da opinião e a da nossa própria consciência.

Em breve sairá a nova Lei da Palmada. O mais legal é o apelido. Fosse eu um governante, lançaria uma campanha educativa com o seguinte slogan: quem bater no filho é a mulher do padre. Eu acredito de verdade que seria mais eficiente.

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